ganhei um arranjo. não era um buquê, arrumado como uma coleção de flores, ajuntando com esmero as mais especiais, as mais bonitas, as mais coloridas, as mais raras. como se sua beleza se desse pelo maior acúmulo ou melhor seleção de flores. ao inverso, era uma flor comum, dessas que a gente não sabe bem o nome para os outros. pequenina, daquelas que só crianças tomariam como o maior dos presentes.
ele me explicou que era uma ikebana, uma forma de poesia com flores que aprendeu com sua família. o arranjo não era, como os que eu conhecia, da ordem do acúmulo ou da seleção, domínios do colecionismo e do consumismo. o delicado presente era construído a partir do refazimento atento da flor, folhas, galho, terra, água, assim como o vaso, o entorno e o próprio vazio, num gesto delicado que se fazia florir na contra-ordem da poesia.

guardei em mim a ideia de arranjo de flores como uma imagem potente de agir estético num mundo atento. tenho buscado ferramentas de construção desse mundo justamente nos gestos delicados.
em uma noite qualquer, eu conversava com o amado pablo diasse. ele citou a potente capacidade de sua mãe, a poeta thaise diaz, fabular beleza fora de padrões. coisa da potência das poetas atentas. ele disse — minha mãe acredita em arranjos de felicidade. essa expressão nunca mais saiu do meu vocabulário.
eu e a aline roses, companheira de navegação nos mares dos desafios de nosso refazimento em busca de terras (e oceanos) mais amorosos, passamos a usar essa expressão para definir o esforço de buscar criar formas de vida mais felizes fora do sistema monogâmico. uma expressão parente do que geni núñez tem chamado de "artesania dos afetos".
falar em arranjo carregava a incerteza, quando longe da forma e do padrão, mas carregava o compromisso, o cuidado e a atenção com o fazimento, ou refazimento da felicidade e com seu significado no presente e, no encontro com o outro, como presente. como lembra uma poderosa música de solange knowles — do nothing without intention. (nada faça sem intenção.)
com o tempo, percebemos que era melhor falar em alegria, não em felicidade. aliás, o entendimento da felicidade como um estado alcançado seguro, que superaria a enganosa alegria momentânea, parecia uma imagem perigosa.
quantas vezes me vi desalegre, tentando me segurar na fantasiosa promessa de uma felicidade sonhada, alcançada, esperada — por mim, pelos outros. lembrando oswald de andrade, parecia mais correto querer a alegria e acreditar nela mesma como gesto de verificação: "a alegria é a prova dos nove". olhar atentamente para o que digo feliz e perguntar: meu rosto é verdadeiramente alegre?
gosto, aliás da definição que gilles deleuze dá à alegria em comparação à tristeza: "a tristeza será toda paixão, qualquer paixão, que envolva uma diminuição de minha potência de agir; e a alegria será toda paixão que envolva um aumento de minha potência de agir."
arranjos de alegria são aquelas formas de relação que, recusando padrões e fórmulas, criamos atentamente, fazendo novas conexões com outras pessoas e refazendo outras a nós mesmas, na busca por uma maior potência de agir, no mundo, com o mundo.